A Independência do Brasil, um dos capítulos mais significativos da história do país, foi um processo multifacetado que envolveu uma variedade de personagens, eventos e circunstâncias. Embora muitos nomes icónicos, como Dom Pedro I e José Bonifácio, tenham desempenhado um papel crucial nesta empreitada, a contribuição das mulheres na luta pela independência muitas vezes passa despercebida.
Entre os vários baianos que lutaram pela independência do Brasil foi Maria Quitéria de Jesus Medeiros (1792-1853). Órfã de mãe aos 9 anos e criada pelo pai, aprendeu a montar, atirar e caçar. Em 6 de setembro de 1822, foi instituído o governo provisório da Bahia na região onde seu pai possuía uma fazenda. Soldados foram enviados às fazendas para explicar o que estava acontecendo e solicitar auxílio de homens e munições para enfrentar os portugueses.
Maria Quitéria, entusiasmada com a causa, quis se alistar mas foi impedida pelo pai. Ela então procurou ajuda da irmã, que cortou seu cabelo e lhe emprestou as roupas do marido. Assim, de cabelos curtos e vestida de homem, apresentou-se na aldeia de Cachoeira como “Soldado Medeiros”. Quitéria ingressou no Regimento de Artilharia, mas, como era pequena no manejo de artilharia e canhões, foi transferida para a infantaria.
Sua fuga da fazenda ocorreu enquanto o pai estava ausente e, assim que ele voltou, começou a procurá-la, mas a encontrou já no exército. Apesar da revelação de que o “Soldado Medeiros” não era “ele”, mas “ela”, o pai de Maria Quitéria não conseguiu que a filha fosse expulsa da força porque ela era útil. Além da disposição para lutar, ela tinha experiência com armas e já recebia treinamento militar.
Seu batismo de fogo ocorreu em fevereiro de 1823, em Itapuã. Ela foi mencionada na ordem do dia por sua bravura em atacar uma trincheira inimiga e fazer vários prisioneiros. Em abril, ao avançar com água até o peito, impediu o desembarque de tropas inimigas na entrada do rio Paraguaçu. Foi recebida com muita alegria em Salvador junto com o exército que libertou a cidade dos portugueses em 2 de julho de 1823.
Outra mulher que teria se destacado na Independência do Brasil, segundo a tradição popular, foi Maria Felipa, moradora da ilha de Itaparica. Ela foi descrita como uma mulher negra, líder comunitária, pobre, analfabeta e lutadora de capoeira.
Juntamente com outras mulheres da ilha, Maria Felipa decidiu juntar-se à luta contra os portugueses. Inicialmente, ela atuou como espiã, fornecendo aos brasileiros informações sobre a movimentação dos navios portugueses e suas posições. Mais tarde, ela e suas companheiras agiram. Diz-se que até seduziram soldados portugueses e, quando estes soldados se despiram e ficaram vulneráveis, foram espancados com “cansanção”, uma planta que queima e deixa bolhas na pele. Uma vez neutralizados os seus inimigos, as mulheres incendiaram os seus barcos.
Maria Felipa e cerca de quarenta outras mulheres, além de seduzirem, também travaram combate armado com facões e quaisquer outros itens que encontrassem. Teriam sido elas as responsáveis por atear fogo ao navio de guerra “Dez de Fevereiro”, em 1º de outubro de 1822, na Praia de Manguinhos, e ao navio “Constituição”, em 12 de outubro, na Praia do Convento. Maria Felipa morou em Itaparica até sua morte em 1873.
Dona Leopoldina tinha provas da lealdade das baianas. Em 23 de agosto de 1822, recebeu no Rio de Janeiro um grupo de senhoras que lhe trouxeram um manifesto assinado em 13 de maio por 186 baianas. O documento afirmava:
“As abaixo assinadas mulheres baianas, cientes das substanciais contribuições feitas por Sua Alteza Real o Príncipe Regente Dom Pedro à política e à prosperidade de todo o Brasil sob os auspícios dos princípios constitucionais que foram juramentados em todo o país, e totalmente comprometidas em acabar com o sistema anárquico de desunião que poderia ter dividido este reino em tantos estados independentes como as suas províncias, caso o decreto de primeiro de outubro do ano passado fosse executado (…): E reconhecendo que nesta resolução heróica, Vossa Alteza Real concordou plenamente com o decisões de sua augusta e amada esposa (…) mostrando assim quão digna ela é do trono para o qual a vontade onipotente dos impérios a chamou; cheios de respeito, depois de parabenizarmos nossos compatriotas por terem entre nós indivíduos tão preciosos e augustos, oferecemos nossos corações, as únicas oferendas que a natureza colocou ao alcance de nosso sexo, para que a posteridade tenha o devido apreço pelas mulheres brasileiras, e as mulheres baianas em particular.”
A carta foi um reconhecimento a Leopoldina pelo envolvimento no Dia do Fico. A futura imperatriz aproveitou o manifesto para, no pós-escrito de uma carta, cutucar sutilmente o ainda indeciso Príncipe Regente, Pedro, dizendo que esta era “a prova de que as mulheres têm mais espírito e são mais devotadas à causa justa”.
Ao explorar as histórias dessas mulheres notáveis, podemos obter uma compreensão mais abrangente e rica deste momento crucial na história do Brasil e na luta pela independência.
Referência: REZZUTTI, Paulo. Independência: a história não contada: A construção do Brasil: 1500-1825. Brasil: Leya, 2022.
Matheus Araújo
Matheus é empreendedor na Araujo Media, onde atua como CEO e Diretor de Criação. Ele compartilha análises em seu blog pessoal "blog.matheusaraujo.me" e atualmente está cursando Publicidade e Propaganda. Além disso, é apaixonado por história, em especial a do Brasil, o que o levou a se tornar fundador e editor do portal Brazilian History.